domingo, 8 de novembro de 2015

Como se tornar um bom (ou melhor) professor?

Adaptada de: http://qualitycustomessays.com/blog/form-good-relations-professor/

A pergunta que faz o papel de título deste post, é certamente uma daquelas questões que todo professor já se perguntou à exaustão. Com o passar do tempo, e com a rotina comumente atribulada e intensa, nos acostumamos a não encontrar uma resposta objetiva a esta inquietação. Mas e se houvesse uma resposta a esta pergunta?

Durante uma das minhas pesquisas, na saga por encontrar bons livros sobre ensino, me deparei com um livro em pdf (e gratuito), escrito por Phillip Wankat e Frank Oreovicz*, chamado “Teaching Engineering” (do Inglês, Ensinando Engenharia). O livro é escrito em Inglês, e pode ser encontrado no endereço: https://engineering.purdue.edu/ChE/AboutUs/Publications/TeachingEng/Book.pdf .

Apesar do nome, diretamente ligado à aplicação de técnicas de ensino em cursos de engenharia, o livro aborda muitos assuntos e técnicas que são diretamente adaptáveis ou transponíveis à grande maioria dos cursos e níveis de ensino. Por isso, acredito que você encontrará muitas futuras referências a este livro aqui neste blog.

Logo nas primeiras páginas, os autores propõem a discussão que deu origem ao texto de hoje: o que é necessário fazer para se tornar um bom professor?

Todos nós sabemos que esta pergunta não tem uma resposta única, e muito menos uma resposta certa. Se existisse uma fórmula que funcionasse para todos os professores, talvez não existisse nenhum curso de pedagogia. Mesmo assim, nós sabemos, intuitivamente, que algumas coisas podem funcionar melhor do que outras.

Porém, a chave para a discussão está justamente na expressão “bom professor”. Como sabemos que (ou se) um professor é bom ou ruim? Algumas teorias relativamente recentes esclarecem alguns pontos interessantes.

Modelo Bidimensional de Ensino

Uma maneira intuitiva de quantificar a “qualidade” de um professor é através da avaliação que os alunos fazem sobre este professor. Neste ponto, um estudo conduzido por Joseph Lowman, em 1985, propõe que a avaliação dos alunos é fortemente baseada em duas dimensões: o entusiasmo intelectual e a conexão interpessoal.

O entusiasmo intelectual está relacionado ao comprometimento do professor com o conhecimento e com a sociedade. Este aspecto normalmente vai de encontro com o que os professores (pelo menos os de engenharia) creem ser o mais importante. Ter grande entusiasmo intelectual implica em aspectos como: organização, clareza de apresentação, material atualizado, e aspectos de desempenho, como demonstração de energia, entusiasmo e paixão pelo conteúdo apresentado, clareza de linguagem e pronúncia e capacidade de cativar os alunos.

Isto vai de encontro também com a minha experiência pessoal como aluno. Durante a graduação eu costumava dizer aos meus colegas que, no fim das contas, a importância que eu daria a uma matéria seria a mesma que o professor daria a ela.

Já a segunda dimensão, a conexão interpessoal, está relacionada ao comprometimento do professor para com os alunos enquanto seres humanos. Segundo os autores, esta conexão é desenvolvida quando o professor demonstra interesse nos alunos como indivíduos. Saber o nome dos alunos (uma prática que eu já sigo) é um bom começo, mas os autores sugerem também que nós procuremos saber algo a respeito de cada aluno. Outros aspectos importantes desta dimensão são:
- Encorajar pensamentos independentes, mesmo que eles não estejam de acordo com os do professor,
- Estar disponível para consulta tanto dentro quanto fora de sala de aula.

Note que, muitas vezes, os aspectos de ambas as dimensões citadas podem ser conflitantes. Mais do que isso, eles podem interagir. Por isso, Lowman propôs um diagrama, mostrado a seguir, que demonstra o resultado da interação das duas dimensões na avaliação feita pelos alunos.

Diagrama original adaptado de Lowman (1985)


Neste diagrama, é possível relacionar os diferentes níveis de entusiasmo intelectual e conexão interpessoal que um professor pode ter, e a provável percepção que os alunos terão deste professor. Além disso, a possível preferência dos alunos é atribuída através de números de 1 a 9 (sendo 1 o menos preferível e 9 o mais preferível), sendo que estes números são atribuídos através das diagonais ascendentes da direita para a esquerda.

Wankat e Oreovicz propõem uma expansão a este diagrama, incluindo uma coluna à esquerda que contempla os professores cujo nível de conexão pessoal é considerado “castigador”, pois este nível também é observado com frequência relevante. Assim o diagrama fica da seguinte forma:

Diagrama adaptado de Wankat e Oreovicz (1993)


A classificação dos níveis de conexão interpessoal e entusiasmo intelectual se dá então da seguinte forma:
Conexão interpessoal:
- Alta: aberto, acolhedor, previsível e altamente orientado ao aluno.
- Moderada: relativamente acolhedor, acessível, democrático e previsível.
- Baixa: frio, distante, controlador e imprevisível.
- Castigador: ofensivo, sarcástico, desdenhoso, controlador e imprevisível.

Entusiasmo intelectual:
- Alto: extremamente claro e empolgante
- Moderado: claro e interessante
- Baixo: vago e enfadonho

É interessante notar que, segundo o diagrama, caso um professor deseje melhorar sua avaliação, é mais eficiente (no sentido de render mais pontos) melhorar o entusiasmo intelectual do que a conexão interpessoal.

Vale notar também que um professor de alta conexão interpessoal e baixo entusiasmo intelectual (posição 4) é menos preferível do que um de baixa conexão interpessoal e alto entusiasmo intelectual (posição 6). Porém, é compreensível que um professor de posição 4 tenha um melhor desempenho em uma sala pequena, com muita participação dos alunos, enquanto que um professor de nível 6 se sairá melhor em salas de aula com quantidades massivas de alunos, onde a relação interpessoal é naturalmente pequena.

A impressão dos autores do livro, que é baseada em uma amostra pouco relevante, estatisticamente, mas com a qual eu concordo, é que a maior parte professores de engenharia possui um nível moderado de entusiasmo intelectual, enquanto que a distribuição entre os níveis de conexão interpessoal parece ser homogênea.

Porém, o mais importante sobre esta classificação é que ela propõe que a grande maioria dos professores, se não todos, é capaz de melhorar suas habilidades de ensino. Além disso, não se pode valorizar apenas a posição 9. São muito raros os professores que atingiram este nível. Os professores das posições 5 em diante já podem ser considerados bons em aspectos importantes, e a posição 5, em si, é acessível a todos.

Componentes Afetivas do Ensino

Completando a teoria desenvolvida por Lowman e defendida por Wankat e Oreovicz, Hanna e McGill publicaram um trabalho em 1985 que afirma que alguns aspectos afetivos são mais importantes no aprendizado do que o método utilizado. Eles listam quatro aspectos que são críticos para um ensino eficaz, que são:

1) Valorizar o aprendizado
2) Utilizar orientação centrada no aluno
3) Acreditar que os alunos podem aprender (esta é muito importante!!)
4) Sentir a necessidade de ajudar os alunos a aprender

Note que estes aspectos são contemplados nos diagramas já apresentados neste texto. É impossível possuir alto nível de entusiasmo intelectual e não valorizar o aprendizado, ou não sentir a necessidade de criar um material que realmente auxilie no aprendizado. Já um alto nível de conexão interpessoal implica em utilizar uma orientação centrada no aluno, e na crença (inabalável) de que o aluno conseguirá de fato aprender o conteúdo.

Sobre o nível “castigador” de conexão interpessoal, os alunos podem aprender o conteúdo temendo o professor (salvo o caso de alunos imobilizados pelo medo), ou, no caso dos melhores alunos, apesar de terem um bom desempenho na matéria, podem desenvolver aversão a este conteúdo ou área, o que é nocivo. A opinião comum aos autores (eu incluso) e à AAUP (Associação Americana dos Professores Universitários) é que este comportamento é antiprofissional. A única “justificativa” para a adesão a este nível é o treinamento dos alunos para profissões onde o ambiente é igualmente castigador, como lutadores, árbitros esportivos, advogados, entre outros. Mesmo assim, os professores que deixam de exibir este comportamento têm suas avaliações melhoradas instantaneamente.

O que funciona: uma compilação de princípios de ensino.

Para encerrar a discussão, Wankat e Oreovicz listam uma série de excelentes princípios, que, na minha opinião, devem ser buscados diariamente em nosso ofício. São eles:

- Guie o aprendiz. Tenha certeza de que o aluno conhece os objetivos. Informe ao aluno os próximos passos. Forneça organização e estrutura apropriadas ao seu nível.
- Desenvolva uma hierarquia estruturada de conteúdo. A organização do material deve ser clara. Mesmo assim, é necessário dar oportunidade aos alunos de fazer a estruturação. Os conteúdos devem sempre incluir conceitos, aplicações e solução de problemas.
- Use imagens e aprendizado visual. A maioria das pessoas prefere o aprendizado visual e têm uma melhor retenção quando esta técnica é utilizada. Encoraje os alunos a desenvolverem seus próprios esquemas visuais.
- Mantenha o aluno ativo. Os alunos devem sempre estar muito envolvidos com a matéria. Isto pode ser feito via oral ou escrita.
- Exija a prática. Aprender conceitos, tarefas e solução de problemas difíceis requer a oportunidade de treinamento em ambiente não ameaçador. A repetição ajuda no ganho de velocidade e precisão nestas tarefas.
- Forneça um parecer. O parecer deve ser imediato, e de toda forma possível positivo. A recompensa funciona muito melhor do que a punição. Além disso, os alunos precisam de uma segunda chance para praticar depois do parecer, para que possam se beneficiar desta prática.
- Tenha expectativas positivas com relação aos alunos. Quando o aluno sente que a expectativa do professor é positiva e o professor o respeita, ele se sente altamente motivado. Baixa expectativa e desrespeito, por outro lado, são desmotivadores. Isto é um princípio, e não um método. Um mestre completo realmente acredita que seus alunos são capazes de alcançar coisas grandiosas.
- Forneça meios para que os alunos sejam desafiados E bem-sucedidos. Tenha certeza de que os alunos possuem a base necessária. Forneça tarefas e tempo suficiente para que todos consigam realiza-las, sentindo-se desafiados. O sucesso é muito motivador.
- Individualize o estilo de ensino. Utilize uma grande variedade de estilos e exemplos de forma que cada aluno possa utilizar seu estilo favorito e ao mesmo tempo torne-se proficiente em todos os estilos.
- Torne a turma cooperativa. Utilize exercícios cooperativos. Não dê notas utilizando um critério comparativo, mas sim um critério absoluto.
- Faça perguntas intelectualmente provocantes. Estas questões não precisam ter respostas, mas devem fazer com que os alunos sejam estimulados a pensar. Isto se mostra particularmente motivador para alunos maduros.
- Demonstre entusiasmo e prazer em ensinar e aprender. O entusiasmo é motivador e ajuda os alunos a desfrutar das aulas.
- Encoraje os alunos a ensinar outros alunos. Alunos que ensinam seus semelhantes aprendem mais do que os alunos a quem eles ensinam. Além disso, eles desenvolvem um sentimento de satisfação e segurança em suas habilidades.
- Preocupe-se com o que você faz. Professores que ensinam no “automático” não farão um trabalho de destaque.
- Separe, se possível, ensino de avaliação. Se uma pessoa diferente do professor aplica a avaliação, o professor torna-se um tutor e aliado cujo objetivo é ajudar o aluno a aprender.

Como isso tudo se aplica a mim?

Se você, como professor, se preocupa com seu trabalho e deseja melhorar seu desempenho, isto em si já é algo grandioso. Neste texto há muitos conceitos que, além de nos auxiliar na compreensão de nossas escolhas e estilos de ensino, podem nos ajudar a ensinar melhor. Porém, se você discorda de alguns conceitos, ou acha outros impraticáveis, isto não desqualifica seu trabalho.

O que eu recomendo, e até o que faço, é escolher um conceito com o qual você se identifica mais e tentar incorpora-lo ao seu método, sempre de maneira positiva e acreditando que funcionará. Treine, se esforce e invista seu tempo em se aperfeiçoar neste novo conceito até que ele se incorpore às suas práticas. Depois disso, avalie os resultados e adapte-se à nova condição encontrada em sala de aula.

Mas o mais importante: se você for dar qualquer passo, dê-o com convicção. Os alunos percebem facilmente a insegurança do professor, e isso pode fazer com que, por melhor que seja, a técnica não funcione bem.

Bibliografia

Wankat, P.C. and Oreovicz, F.S. Teaching engineering. McGraw-Hill, 1993
Hanna, S. J. and McGill, L. T., A nurturing environment and effective teaching. Coll. Teach., 33(4), 177 (1985)
Lowman, J. Mastering the Techniques of Teaching, Jossey-Bass, San Francisco, 1985

Notas

* Ambos os autores são professores na Universidade de Purdue (West Lafayette – Indiana, EUA). Para ser mais preciso, o Prof. Phillip Wankat ainda é professor, enquanto que o Prof. Frank Oreovicz se aposentou recentemente. Neste livro, eles se preocuparam em reunir a experiência de muitos anos de ensino de engenharia, aliados a uma extensa pesquisa nos mais diversos campos da pedagogia relacionados ao ensino.

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