terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Você é nota 0, 5 ou 10?



Saudações, ainda pouquíssimos porém muito estimados leitores!


Trago hoje alguns resultados de uma reflexão que fiz ontem, sozinho, enquanto dirigia rumo à faculdade para mais um dia de coordenação. O caminho da reflexão é tortuoso, como não poderia deixar de ser, mas os resultados foram tão interessantes que resolvi trazê-los para a reflexão.

Por ser uma reflexão, creio que este texto traga mais perguntas do que respostas. Contudo, por vezes creio que certas dúvidas são mais valiosas do que muitas certezas! Vamos lá!

Regras Institucionais de Avaliação

Na instituição de ensino superior em que leciono e coordeno curso, a regra institucional para avaliação dos alunos é a seguinte: o semestre é dividido em dois bimestres. Em cada disciplina do bimestre o aluno deve ser avaliado (ao menos) uma vez e por bimestre será atribuída ao aluno uma nota de zero (0,0) a dez (10,0) por disciplina. A nota do semestre naquela disciplina será a média simples das notas bimestrais, sendo que uma média maior ou igual a seis (6,0) corresponde à aprovação na disciplina, mediante comprovada presença em no mínimo 75% das aulas. Resumex: temos P1 e P2, ambas com o mesmo peso, média 6,0 e 75% de presença obrigatória.

 As falhas do processo de aprovação por nota

Tendo estas regras em mente, penso como professor que as provas P1 e P2 têm objetivos diferentes. A P1 deveria ser capaz de avaliar o aluno na metade do processo de ensino-aprendizado do semestre e dizer a ele se ele conseguiu obter os conhecimentos ou competências necessárias para a continuação da disciplina. Mais do que isso: caso ele não tenha obtido os conhecimentos, a avaliação deveria apontar quais são os conhecimentos que faltam, para que ele consiga se recuperar.

Já a P2 deveria ser capaz de dizer se o aluno foi capaz de absorver os conteúdos mínimos que se espera naquela disciplina para que a instituição possa atestar que o aluno possui as habilidades e competências que se espera de uma pessoa com formação na disciplina em questão. Adicionalmente, esta avaliação deveria dizer com clareza quais os tópicos em que o aluno não apresenta domínio.

Tudo muito bonito, ideal e perfeito! Contudo, na prática, para que isto aconteça é necessário que:

     1 – A disciplina esteja organizada em tópicos desde a ementa (o que nem sempre é o caso).    

     2 – As questões, e a prova como um todo, sejam elaboradas e pontuadas conforme os tópicos descritos na ementa e no planejamento das aulas.    
     3 – A correção leve em conta os mesmos tópicos da ementa e do planejamento e seja apresentada não só como uma somatória de pontos, mas sim como um laudo atestando quais são os tópicos em que o aluno estaria aprovado ou reprovado.



Estes três itens estão muito longe do que se pratica hoje em qualquer nível de ensino, e postos desta forma parecem mais burocráticos do que práticos. Mas para mim há mais um elemento complicador, além da dinâmica destes três itens, que é o agrupamento de conhecimentos no formato de disciplinas.

Não que a média 6,0 seja um impedimento ao que vou exibir a seguir, mas para o exercício do pensamento, vamos supor a média 5,0, que é o critério ainda mais utilizado no país. Suponhamos também que o professor, de maneira atenta ou acidentalmente, tenha seguido os itens 1, 2 e 3 descritos anteriormente e que tenha atribuído pontos aos tópicos da disciplina. Vamos supor uma disciplina de 4 tópicos, A, B, C e D, com valor de 2,5 pontos cada. Pelo fato de a média ser 5,0 e de os tópicos terem sido pontuados desta forma, um aluno que sabe apenas os tópicos A e B é aprovado da mesma forma que um aluno que sabe apenas os tópicos C e D. Ou seja, aprovamos dois alunos que possuem conhecimentos 100% diferentes, apenas porque os conhecimentos adquiridos pelos 2 estavam inseridos na mesma matéria. Além disso, atestamos que ambos os alunos possuem conhecimentos de todos os tópicos A, B, C e D.

Apesar de ser a forma mais comum de avaliação, a simples somatória de pontos e o estabelecimento de uma quantidade mínima de pontos para aprovação parece um critério descompromissado, despreocupado, e até certo ponto irresponsável.

Além do problema mais óbvio, de que estamos atestando habilidades que o aluno eventualmente não possui, há mais dois problemas implícitos nesta questão. Primeiramente, como quantificar a “quantidade de conhecimento” ou relevância embutida em cada tópico para que se possa montar a nota da disciplina? E em segundo lugar, quais conhecimentos da disciplina são dispensáveis? Afinal o aluno pode ser aprovado sem boa parte dos conhecimentos!

Estes dois problemas em particular levam a uma reflexão ainda mais profunda: O que é a nota dez e o que é a nota cinco? O dez seria referente a todo o conhecimento do professor na disciplina ou a todo o conhecimento que o aluno deveria ser capaz de adquirir? E o cinco, o que seria afinal?

Se não sabemos dizer exatamente o que é o “dez” e o que é o “cinco”, tendo a crer que não estamos sendo claros em dizer ao aluno o que esperamos dele em cada uma das avaliações. Não estamos sendo claros nas avaliações parciais (P1), em que damos uma nota numérica e não apontamos com clareza como o aluno deve corrigir o curso de seu aprendizado para adquirir o restante do conhecimento. Não estamos sendo claros nas avaliações finais (P2) sobre quais são os conhecimentos essenciais e quais são os dispensáveis. Não estamos sendo claros sobre o que o aluno aprovado sabe e o que o reprovado não sabe.

Será que conseguimos resolver isso?

Não importa o quanto sejamos céticos ou pessimistas, neste momento vale o pensamento científico, ou seja: até que se prove que não é possível, podemos formular hipóteses e testá-las na busca de encontrar uma solução possível. Ou, em termos mais populares e diretos: “A ciência não vive de ‘não dá! ’! ”.


O meu modelo de escola ideal (a menos dos níveis muito, muito básicos) é o seguinte: ao se matricular, o aluno seria apresentado a um conjunto (ou árvore) de tópicos. O aluno, por si só, deveria buscar os conhecimentos relacionados a um ou mais tópicos de interesse e deveria estuda-los pelo tempo que achar necessário, até que se sentisse pronto para comprovar seus conhecimentos naquele tópico. Neste momento, o aluno solicitaria uma avaliação e seria avaliado, única e exclusivamente naquele tópico. Em caso de aprovação, a instituição atestaria que o aluno conhece o tópico. Caso contrário, a avaliação deveria dizer ao aluno quais são os conhecimentos que faltam. Neste caso o próprio aluno retornaria aos estudos e realizaria novamente a avaliação assim que se sentisse apto novamente.


Neste modelo de escola, imagino turmas ingressando uma ou no máximo duas vezes por ano. No lugar de professores, imagino tutores por turma que orientariam pequenos grupos de alunos cuja data de ingresso ou nível de avanço no curso fosse similar. Imagino que aulas seriam possíveis, mas apenas no caso de serem solicitadas pelos alunos, pelo fato de um grupo específico não compreender um determinado assunto. Caso contrário, imagino os alunos indo à escola todos os dias, mas para estudar e realizar projetos em conjunto, aprender uns com os outros e serem apenas guiados pelos tutores.

Este modelo terminaria, por exemplo, com o problema das reprovações. O aluno poderia ser avaliado em um tópico quantas vezes quisesse, no tempo em que quisesse, até conseguir a aprovação. É natural que alguns alunos precisem de mais tempo que outros para a absorção de determinados conteúdos, mas hoje damos um semestre para todos e reprovamos aqueles que precisariam de mais tempo.

Imagino que a avaliação por tópicos pudesse ser uma avaliação feita individualmente, a partir de um banco de questões relacionado àquele tópico, que pudesse gerar várias avaliações diferentes. A avaliação não retornaria uma nota, mas um conceito “Suficiente” ou “Insuficiente”. Isso faria com que todos os tópicos do curso fossem vistos e estudados, e que todos os alunos tivessem conhecimentos equivalentes.

Este modelo que proponho não é perfeito e também possui falhas, mesmo que eu ainda não as consiga perceber neste momento. Mas ainda assim, vale a reflexão. 

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